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E se a Maior Dificuldade não Existir de Verdade?



Hoje, tive a oportunidade de conversar com algumas mães que tinham uma questão em comum: seus filhos na faixa dos 3 anos de idade não apresentam sempre (ou nunca) o comportamento esperado socialmente de maneira imediata. A angústia delas é que as crianças não cumprimentam as pessoas naturalmente, resistem às regras, não aderem prontamente às atividades propostas pela escola, não topam ir embora tranquilamente dos lugares... alguns gabaritam essa listinha, apesar das mães se esforçarem e insistirem, em uma proposta de educação respeitosa, com estratégias positivas, sem permissividade nem violência.
Comecei a falar que acredito que isso é comum para a idade, que não conheço nenhuma criança com 3 anos, criada com o mínimo de autonomia e respeito, que tenha um comportamento diferente disso... quando uma mãe levantou uma questão que achei importante trazer para cá, a diferença de expectativa e, consequentemente, de paciência diante do comportamento indesejado das crianças, quando temos mais de um filho pequeno. Ela tem dois filhos, 3 e 5 anos, uma caminhada bonita de estudo e leitura para educar e o grande desafio dos nãos que esses pequenos nos apresentam e conhecemos tão bem.
Fiz questão de começar deixando bem claro que estamos falando de uma ótima mãe, que faz o possível para ofertar o melhor de si, para deixar claro algo que venho repetindo aqui e nos atendimentos: o que fazemos é muita coisa e falhar faz parte de ser humana - não dá para ser perfeita o tempo todo.
Quando a gente começa dessa perspectiva, fica mais simples entender que ótimos filhos também falham. Isso ajuda bastante a reduzir nossa culpa e nossa expectativa em relação aos filhos.
Crianças são seres humanos e, como tal, tendem a interagir e tomar pra si algo do comportamento do outro. Isso vai para além da esperada regressão de um filho mais velho, com o nascimento do mais novo (na qual é muito comum que crianças que já abandonaram as fraldas apresentarem escapes, voltarem a pedir pra mamar, ou usar coisas que já tinham deixado, quando nasce um novo bebê). Eu vejo muitas mães preocupadas com essa questão do mais velho estar reproduzindo comportamentos do mais novo por todo o resto da infância.
Ao mesmo tempo, o mais novo também se espelha no mais velho. Aprende muito mais e mais rápido que o primeiro costumava aprender e se desenvolver, a partir da interação com o irmão (fica bem bom de entender isso, se considerarmos o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, de Vygostsky). Isso pode aumentar a sensação de que o mais novo é mais colaborativo, mais desenvolto ou até mais "esperto" uma vez que a nossa expectativa (quando não está mediada pela razão e pelo estudo do desenvolvimento infantil) é de "cobrar mais" do mais velho.
Cada criança é um ser único, não devemos comparar uma com a outra, como já sabemos bem. Mas também sabemos o quanto essa é uma tarefa difícil e quanto acaba sendo inevitável olhar para um filho sem pensar no outro e olhar para nós mesmas na relação com cada filho, sem comparar como somos com o outro. Partindo disso, organizei as ideias por tópicos, pra facilitar o entendimento dessa coisa toda:
1) o filho mais novo deve se desenvolver, em muitos aspectos, antes que o mais velho, se os compararmos com a mesma idade, por ter uma criança mais experiente na interação diária. Por isso, ele tende a aprender mais rápido sobre as coisas do mundo e ganhar mais autonomia mais cedo;
2) o filho mais velho tende a repetir comportamentos do mais novo, na busca por atenção (que naturalmente acaba indo para o mais novo, porque ele realmente precisa mais). Não é "de caso pensado", não entenda como premeditação, mas é muito fácil entender que fica a coisa do "se eu coopero aqui, ele que não coopera ganha mais atenção. Não vou cooperar, também e garantir meu espaço";
3) o que costuma acontecer é que, quando olhamos para o nosso filho único, vemos um bebê. Ele cresce anda, desmama, deixa fraldas, perde roupas e sapatos... mas seguimos vendo um bebê. Quando nasce o segundo filho, temos um estalo: bebê é isso aqui nos meus braços! Aquele seu primeiro filhote parece que fica gigante, da noite para o dia! Nem sempre tomamos consciência disso, mas nossas expectativas em relação a ele mudam drasticamente. Isso tem um lado bom, de deixarmos crescer, mas tem um lado negativo de diminuirmos a atenção dedicada a ele, o mais velho (o que é perfeitamente aceitável, já que não somos duas, que temos outra ocupação com outro ser que demanda e depende muito mais de nós);
4) é necessário tomar consciência disso tudo, pra podermos equilibrar as relações, as nossas expectativas, o nosso papel e dosarmos a atenção e paciência que precisamos ter com as duas pequenas pessoas diante de nós.
A partir daqui, dá para gente unificar os temas. As expectativas que temos sobre nossos filhos, independente da sua idade e de quantos filhos nós tenhamos. A frase que resume e alinhava tudo é: o que eu posso esperar do meu filho e o que eu preciso oferecer pra facilitar o crescimento dele, dentro do contexto atual da nossa vida?
Alinhar as nossas expectativas com o que a criança tem de fato pra oferecer é fundamental para que possamos manter a nossa calma, para que possamos pensar em alternativas respeitosas de educação, para que possamos levar com mais leveza e para que possamos atender às demandas dos nossos filhos, às nossas, às da escola, às da família como um todo, às da sociedade...
Não dá para alinhar sem conhecer o desenvolvimento da criança, sem estudar como esses processos acontecem e como podemos ajudar ao invés de atrapalhar. Atrapalhamos quando tolhemos autonomia, atrapalhamos quando exigimos uma autonomia que vai além do que a maturidade da criança permite. Atrapalhamos quando somos permissivos, atrapalhamos quando perdemos a paciência e nos tornamos autoritários. Atrapalhamos quando somos superprotetores e atrapalhamos quando acreditamos que o "problema" é com a criança.
Não dá para ser perfeito. Nem nós, nem eles. Não vai ter escola ou família perfeitas, também. Isso é frustrante pra caramba! Mas, se olharmos com serenidade, pode ser libertador!
Ajudamos quando entendemos que as crianças têm necessidades a serem atendidas, quando entendemos que têm personalidades e que demandam atenção exclusiva para si, quando consideramos seu estágio de desenvolvimento para adequar nossas expectativas, quando compreendemos quanto desse mundo ainda desconhecido traz insegurança e quão importante é sermos o seu porto seguro.
Surgiram novas dúvidas? Me chama! Vou te responder com carinho, o mais rápido possível.
Um abraço!

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